Hugo Medeiros
Região da Lagoinha, 11:23 da manhã. O bar estava cheio, todo mundo tenso, apreensivo. De repente, um grito: Perigo, ladrão!
Ela já estava a um passo da calçada, e bum!
Flashes vinham na sua memória: Um mar de gente. Um mar de mãos. O teto de um carro. Barulho. Enjôo. Luzes brancas, paredes brancas, uniformes brancos. Em filme nunca morre, ela pensou. Estou é num hospital. E estava mesmo.
A batida foi forte. Fratura exposta. Mas quando as pessoas têm condição de pagar um plano de saúde, as coisas ficam mais fáceis. Quarto com frigobar, enfermeira, banheiro exclusivo, tv a cabo. Parecem estar de férias. Uma maravilha. Mas nem tudo é um paraíso. Antes do quarto, havia a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Doía demais. O corpo todo. Da unha do dedão do pé até o último fio de cabelo. Os médicos chegaram a cogitar a hipótese de uma amputação. E pior, uma não, duas, as duas pernas. A mãe rezava, chorava, não entendia por que logo a filha, pessoa tão boa, tão linda, tão prestativa, um exemplo para todos que a conheciam. Chegou até a desconfiar de Deus, depois arrependeu-se tanto que acabou arranjando outro sofrimento.
Os familiares discutiam se ela iria ou não sobreviver, como consolariam a mãe, quem iria dar a primeira cadeira de rodas.
Após doze horas de operação, os médicos apareceram. A mãe, aos prantos, pedia-lhes para não esconderem nada. E eles não esconderam. A operação havia sido um sucesso.
Passado uma semana, ela já estava no quarto.
As lembranças começaram a aparecer. Primeiro lembrou a roupa que usara naquele dia. Vestido florido tênis branco, um relógio, um anel, um colar. Ah, e uma bolsa de couro marron, de onde todos os seus documentos saltaram para o meio da rua.
Lembrou dos rostos que a olhavam, das bocas se mexendo. O que estariam falando, afinal?
E entre todos aqueles rostos, lembrou-se de um que, mesmo ali, deitada, havia fixado o olhar por um bom tempo. Um homem moreno, alto, magro, olhos negros, camisa do Flamengo. O primeiro a chegar e segurar-lhe a mão.
Enfiou na cabeça que, assim que melhorasse, iria atrás daquele homem. O homem que lhe deu forças para agüentar a chegado do resgate, que lhe deu alguns preciosos minutos de segurança. Como ele seria? Casado? Solteiro? Desquitado? Divorciado? Teria filhos? Seria trabalhador? Ou um ladrão? Ou um jogador? Ou só mais um torcedor desempregado, com aquela camisa horrorosa, suada, desbotada de tanto uso? As perguntas eram muitas, e as respostas teriam que esperar.
Dez meses se passaram, e a recuperação era quase total. Ainda andava com certa dificuldade, mas nada que a impedisse de buscar suas respostas. E assim ela o fez.
Chovia muito. Mesmo com sua sombrinha gigante, dessas compradas no Shopping Oi, seus pés estavam encharcados. Pegou um táxi, e foi seguir seu destino.
No caminho, contou ao taxista, um homem muito pequeno, com o nariz e as mãos enormes, toda a sua história. O comentário dele? Legal. Mais nada.
Desceu do táxi. Não agradeceu ao motorista. Nem lhe desejou bom trabalho. Achou ele um grosso, mal educado
Chegando ao local, não ficou tensa como achou que ficaria. Ao contrário do que imaginava, tinha superado tudo. Ou então estava tão fixada com a aventura de encontrar aquele homem, que esqueceu-se do que havia acontecido ali.
Começou a andar por todos os bares, imaginando de que lugar teria saído aquele homem. Perguntou no primeiro bar, descreveu o pouco que lembrava em detalhes, e nada.
No segundo bar, ao bater nas costas do balconista para pedir a informação, não acreditou! Era ele! Mas já, ela pensou. E a aventura que planejei durante dez meses, todos os dias? Chegou ao fim? Sim, tinha chegado ao fim. Mesmo sem aceitar a situação, chamou o estranho para tomar um café.
Sentaram, conversaram, e quando ela estava indo embora, teve uma última informação que se não tivesse sido trágica, seria engraçada: Ele havia feito ela correr para o outro lado da rua. Como? Ele havia gritado “perigo, ladrão”. Por quê? Ele estava naquele bar, assistindo a uma partida de futebol entre Brasil e Argentina. O “perigo, ladrão” não era para ela, nem para qualquer um que estava no bar. Era para um jogador brasileiro que, descuidado, perdeu a bola para um argentino.
Região da Lagoinha, 11:23 da manhã. O bar estava cheio, todo mundo tenso, apreensivo. De repente, um grito: Perigo, ladrão!
Ela já estava a um passo da calçada, e bum!
Flashes vinham na sua memória: Um mar de gente. Um mar de mãos. O teto de um carro. Barulho. Enjôo. Luzes brancas, paredes brancas, uniformes brancos. Em filme nunca morre, ela pensou. Estou é num hospital. E estava mesmo.
A batida foi forte. Fratura exposta. Mas quando as pessoas têm condição de pagar um plano de saúde, as coisas ficam mais fáceis. Quarto com frigobar, enfermeira, banheiro exclusivo, tv a cabo. Parecem estar de férias. Uma maravilha. Mas nem tudo é um paraíso. Antes do quarto, havia a Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Doía demais. O corpo todo. Da unha do dedão do pé até o último fio de cabelo. Os médicos chegaram a cogitar a hipótese de uma amputação. E pior, uma não, duas, as duas pernas. A mãe rezava, chorava, não entendia por que logo a filha, pessoa tão boa, tão linda, tão prestativa, um exemplo para todos que a conheciam. Chegou até a desconfiar de Deus, depois arrependeu-se tanto que acabou arranjando outro sofrimento.
Os familiares discutiam se ela iria ou não sobreviver, como consolariam a mãe, quem iria dar a primeira cadeira de rodas.
Após doze horas de operação, os médicos apareceram. A mãe, aos prantos, pedia-lhes para não esconderem nada. E eles não esconderam. A operação havia sido um sucesso.
Passado uma semana, ela já estava no quarto.
As lembranças começaram a aparecer. Primeiro lembrou a roupa que usara naquele dia. Vestido florido tênis branco, um relógio, um anel, um colar. Ah, e uma bolsa de couro marron, de onde todos os seus documentos saltaram para o meio da rua.
Lembrou dos rostos que a olhavam, das bocas se mexendo. O que estariam falando, afinal?
E entre todos aqueles rostos, lembrou-se de um que, mesmo ali, deitada, havia fixado o olhar por um bom tempo. Um homem moreno, alto, magro, olhos negros, camisa do Flamengo. O primeiro a chegar e segurar-lhe a mão.
Enfiou na cabeça que, assim que melhorasse, iria atrás daquele homem. O homem que lhe deu forças para agüentar a chegado do resgate, que lhe deu alguns preciosos minutos de segurança. Como ele seria? Casado? Solteiro? Desquitado? Divorciado? Teria filhos? Seria trabalhador? Ou um ladrão? Ou um jogador? Ou só mais um torcedor desempregado, com aquela camisa horrorosa, suada, desbotada de tanto uso? As perguntas eram muitas, e as respostas teriam que esperar.
Dez meses se passaram, e a recuperação era quase total. Ainda andava com certa dificuldade, mas nada que a impedisse de buscar suas respostas. E assim ela o fez.
Chovia muito. Mesmo com sua sombrinha gigante, dessas compradas no Shopping Oi, seus pés estavam encharcados. Pegou um táxi, e foi seguir seu destino.
No caminho, contou ao taxista, um homem muito pequeno, com o nariz e as mãos enormes, toda a sua história. O comentário dele? Legal. Mais nada.
Desceu do táxi. Não agradeceu ao motorista. Nem lhe desejou bom trabalho. Achou ele um grosso, mal educado
Chegando ao local, não ficou tensa como achou que ficaria. Ao contrário do que imaginava, tinha superado tudo. Ou então estava tão fixada com a aventura de encontrar aquele homem, que esqueceu-se do que havia acontecido ali.
Começou a andar por todos os bares, imaginando de que lugar teria saído aquele homem. Perguntou no primeiro bar, descreveu o pouco que lembrava em detalhes, e nada.
No segundo bar, ao bater nas costas do balconista para pedir a informação, não acreditou! Era ele! Mas já, ela pensou. E a aventura que planejei durante dez meses, todos os dias? Chegou ao fim? Sim, tinha chegado ao fim. Mesmo sem aceitar a situação, chamou o estranho para tomar um café.
Sentaram, conversaram, e quando ela estava indo embora, teve uma última informação que se não tivesse sido trágica, seria engraçada: Ele havia feito ela correr para o outro lado da rua. Como? Ele havia gritado “perigo, ladrão”. Por quê? Ele estava naquele bar, assistindo a uma partida de futebol entre Brasil e Argentina. O “perigo, ladrão” não era para ela, nem para qualquer um que estava no bar. Era para um jogador brasileiro que, descuidado, perdeu a bola para um argentino.
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